Confucional
O confucionismo é a busca da boa raiz, daquela raiz que ainda vive, no centro de um madeiro que pode estar seco, ou mesmo podre. Ali onde ainda há a possibilidade de gerar a partir do que sempre foi. O confucionismo se distingue das religiões e dos cultos do futuro, aqueles que se cativam pela semente, pelo núcleo da vida, pelo novo. Confúcio sabe que a vida se propaga a partir do seu cheio, que o oco do ovo, e o seu conteúdo, são epifenômenos. Brasileiros houve que já fossem na direção desse tipo de trabalho. Modernistas de 1922, tropicalistas, antropofagistas. Ainda são futuristas esses pesquisadores, entretanto. Faz-lhes falta um projeto propriamente “radical”, nesse sentido, que pode até ser rizomático, por ser brasileiro, mas que seja ainda assim “confucional”.
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Por exemplo: como se educa as crianças para as questões de gênero? É esse um tema científico? Crucial: é esse um tema histórico? Diacrônico, ou metafísico? O que tem a dizer a respeito a psicanálise? E a literatura? Aí seria o caso de ver o que nos diz a raiz. E a raiz de tudo: a pedra. Veja que algo pode ser fixo onde se o queria flexível, e mutante onde se o queria estável. É combinação de volúvel e sólido, e em boa proporção, mas não nos lugares certos. Não nas horas certas.
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Há algo que se lembra a respeito da China, imediatamente, quando se trata de desqualificar (não sem justiça), a sua maneira de entender a arte de governar, algo que ela até mesmo “confessa” explicitamente, a saber, a sua devoção ao princípio da hierarquia. Há algo entretanto de que não se fala, e que poderia muito bem ser mencionado elogiosamente (e nisso também com inteira justiça) da China, até mesmo com inveja, no mundo ocidental, a saber, que a China sabe ser laica ao governar. Fortemente, resolutamente. Essa laicidade pareceria ao Ocidente ainda não inteiramente convertido à modernidade um sinal de primitivismo, de falta de imaginação, ou de força. Para o Ocidente já-não-moderno, que tenta ser laico e não consegue, essa laicidade chinesa é invisível, recalcada. Sintomática. Algo que se vê no outro, que se deseja ardentemente, mas do que não se pode admitir para si mesmo a cobiça, e que portanto é preciso deixar de ver, simplesmente. A forte laicidade chinesa é uma criação genial, que decidimos tomar como trivial, banal, irrelevante.
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