Instruções
A argumentação, onde está? A que se prestam os dados? À razão, sim, ao argumento. Mas há algo que se ergue ao redor disso, ao redor da humanidade monádica dos argumentos. Os dados, as evidências, já se prestam diretamente aos movimentos, aos funcionamentos. Está por toda a parte isso. Se prestam ainda também ao jogo científico, a esse jogo social do desapego de si, e da irreverência diante das palavras de ordem, mas o que faz agora o uso humano dos dados é emular, sem saber, o movimento dos sistemas computacionais. Os dados são hoje plugados em máquinas de efetuação direta. O dado, no que aparece, já está no meio de uma logística dos sinais e dos algoritmos. Não se queira saber o que é essa logística. Ela é compreensiva, não compreendida. Ela se apresenta, para o humano, como uma lógica da demanda. Já era assim (sempre a mesma pergunta)? Não havia dados, antes, havia experiências, imagens, memórias, registros esparsos. Também se prestavam aos funcionamentos essas coisas, não éramos “humanidade”, a Razão não estava entre nós. Não havia esse delírio de mundo inteiro, e muito mais não se pode dizer. É o caso de fazer questão de não dizer o que havia, de não considerar dizível isso, assim como não é dizível o que há agora. Que relação se tem com a crença em que às coisas é possível tomar na sua universalidade? Sempre foi falsa? Foi verdadeira durante um tempo? Verdadeira, mas só em certos lugares, para certos ambientes? Também logicamente impossível dizer isso. E no entanto… a dúvida, a indecisão, permanece.

Por exemplo, os enunciados pedagógicos são os enunciados das crianças? Sobre as crianças? Complexo isso... Fala-se em nome das crianças, ou para que elas tenham um n(ão)me, ou para que elas tenham uma fala, mas fala-se acima de tudo da sociedade. A pedagogia é, antes de mais nada, um desespero da sociedade diante de uma das suas potências, que é a criança (assim ela é pressentida). E falaremos em educação baseada em demanda, e diremos que no caso das crianças pequenas é complicado, mas não diremos porque. É, em poucas palavras, porque a criança parece ter demanda de demanda. E é assim que se veio a saber como fazer a educação infantil, aprendeu-se a formalizá-la. A educação infantil, e a do início do ensino fundamental, são objeto de inúmeros projetos alternativos, todos inovadores (mesmo os que dizem retornar às tradições… que não existem no campo da educação), todos aparentemente muito diferentes uns dos outros, muitos bem sucedidos. Ao mesmo tempo, enquanto os demais confinamentos param de funcionar, não se consegue mais fazer a educação dos jovens, nem a dos adultos. O que se pode fazer é esticar a criança, esticar a infância, até que ela comece a romper-se. Tudo aquilo que pôde fazer de rito de passagem (casamento, emprego, diploma, filhos) se esfarela. Ser “adulto”, para os moços, vira uma miragem. Ser fértil, para as meninas, é insuportável. Ser varão, para os meninos, é impensável.
Aquilo que era trabalho (emprego, posição, colocação), do que existe a oferta, tornou-se ação, do que só pode existir a demanda. A ação não é agitação. O conceito de iniciativa é complexo. Havia oferta de tudo, de saberes, de empregos, de amor. Não há mais, há demanda. Toda demanda é de ação, mas isso não aparece, a ação parece que não acontece. E tudo, educação, trabalho, consumo, se converte em demanda. Nômadas de demanda, é o que há. Funcionamentos.
Demanda de aprendizagem é demanda de inclusão. Aprender, nesse sentido, não se vê de fora (ou de dentro), não se avalia. Aprender é engolir o Outro. Aprender é se deixar engolir.
