Nanoguerra
Os desenhos da guerra e da política implicam-se [Clausewitz], disso se segue que a diferentes políticas correspondem diferentes guerras. Enquanto os exércitos nacionais continuam existindo, as nações que lhes emprestam as bandeiras empalidecem, e convertem-se em corporações que prestam "serviços políticos", quer dizer, serviços de gestão social àqueles que demandam esses serviços, outras corporações. Corrupção seria o nome do jogo, se fossem indivíduos, e não organizações, os demandantes e os recebedores dos pagamentos, e se não ocupasse cada vez mais o centro do ordenamento jurídico vigente emprestar legalidade a essas trocas financeiras. No plano mundial, essa relação de conversão de capital em poder político, a que se chamava corrupção, nunca foi exatamente uma exceção à regra. Apenas ocorria que ela se encontrasse inteiramente superposta ao conjunto de instrumentos (financeiros, militares) de subjugação dos territórios submetidos às nações imperiais. As nações já se dividiram entre as que exportavam soberania, e as que a importavam. A lei impedia que a corrupção afetasse o sentido de legitimidade das democracias centrais, enquanto servia à acomodação dos interesses em conflito, na exploração dos espaços desprovidos de autonomia. A guerra entre as nações fazia o trabalho de mediação dessas legitimidades inventadas, quando outras formas de exercício do poder perdessem a utilidade.
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É possível imaginar que, mesmo sem a invenção das armas nucleares, algum tipo de "esfriamento" da guerra já começava a ocorrer, mesmo durante a segunda grande guerra. Na medida em que as guerras vão se convertendo em guerras de movimento, de informação, e de estratégia, já é de uma perda de importância do combate como morticínio que se trata – os genocídios de não-combatentes confirmam isso – e uma entrada em cena de uma simbolização inteiramente diferente da própria morte. Já era de um cada vez maior "espírito geométrico" o projeto dos armamentos, dos treinamentos militares, e da relação entre tática e estratégia. Até que, dos exércitos uniformizados, o que resta é a gestão do seu desmonte, que pode – não nos enganemos – ser inviável. De todo modo, se a política que se faz hoje é dividual, afetiva, transversal, total, assim também veio a ser guerra. Como corolário disso, cada gesto, por menor que seja, ou é parte de um esforço de guerra, ou não é. É o caso de dar as boas-vindas às novas máquinas de guerra? Nanoguerra. Portadoras são elas da ação. (N)ação: que as nações se suicidem, que elas parem, é a chance de os seus súditos não pararem.
